Crítica ao “paradoxo” da tolerância de Popper

Questione Tudo
3 min readDec 29, 2017

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Para ser válido, o “paradoxo” implica que haja um consenso, de todas partes, a respeito do que é ser “intolerante”.Mas, como frequentemente ocorre, a parte intolerante não reconhece sua própria intolerância: ela justifica em termos de uma “defesa” contra uma intolerância ainda maior (mesmo aniquilação física) vinda da outra parte (independente da acusação ser real e imaginária). De fato, até mesmo os regimes fascistas e nazistas, respectivamente, justificavam sua barbárie e desumanidade em termos de uma “defesa” contra a “conspiração judaica” e a “ameaça comunista”. Mas quem de fato é o “intolerante”? Dependerá dos gostos do freguês: para um anarquista, possivelmente capitalistas, comunistas autoritários, fascistas, nazistas, etc etc.Uma questão de INTERPRETAÇÃO.Cada um, defensor de uma ideologia particular, se proclamando como a “voz da verdade”, mais “tolerante” que os demais, e que portanto que meramente se “defende” das demais ideologias intolerantes. Para o próprio Popper, por exemplo, a “sociedade aberta” (Open Society) representava o poder capitalista, militar e corporativo americano, defendendo-se contra a “intolerância” de comunistas e “esquerdistas” cujas “perigosas” ideias desembocariam nos horrores da URSS. Portanto, proclamando meu direito de ser “intolerantes com intolerantes”, eu estou colocando a mim mesmo na posição de “árbitro” de quem é ou não tolerante, e, consequentemente, um agente da censura.É uma ideia tão absurda quanto as promessas do presidente Bush de trazer “democracia” ao povo iraquiano: “democracia” significando sua própria vontade, e não, o que a população do Iraque quisesse. Tanto no sentido de negar o direito a expressão a parte acusada de intolerância, como de permitir o acesso a informação das demais a respeito dos seus argumentos: nos tornamos donos, “protetores”, das “consciências” das últimas. Nada diferente dos planos de um certo deputado com a “mordaça” da “escola sem partido” que visa combater a “doutrinação vermelha” dentro das escolas. Se olhado com atenção, portanto, o argumento de Popper é apenas uma versão mais sutil da famosa doutrina da “segurança nacional” muito em voga no fascismo latino americano que podemos sentir o gostinho em 64: a “defesa da nação” e “dos brasileiros” contra os “elementos subversivos internos” que “ameaçam a ordem”. Ao mesmo tempo, assumindo que essas “ferramentas” de censura podem ser colocadas a minha disposição, quando eu desejar, necessariamente preciso reconhecer a legitimidade do meu oponente fazer uso das mesmas.Logo, o “debate” reduz-se a uma questão de quem tem mais força para impor seu ideal.Algo como a transformação de um debate verbal numa briga de facas. Logo, os ideais tornam-se propaganda (a fachada para as brutalidades cometidas, um “paraíso” prometido no Além), e a busca pelo poder, pela força, tornam-se um fim em si mesmo: cada parte (seja ela “esquerda”, “direita” ou “libertária”) competindo avidamente para obtenção dos instrumentos de repressão como forma de “defesa” contra os “intolerantes”.Vidas humanas, então, resumidas a objetos, ducha de canhão, para melhor atender esse propósito. O grande vencedor? O fascismo. Por detrás desse debate, fica a questão de qual meio é aceitável utilizarmos para convencer outra pessoa da ideia que tivemos. Uma é pela exposição dela, conferindo o poder da outra de criar ela mesma uma explicação sobre o meio que vive. Sua opinião sendo tão válida de ser expressada quanto a nossa. A outra, defendida por Popper, é a conhecida caça as bruxas, chantagem dos religiosos: a de fazer alguém defender um ponto de vista pelo APELO À FORÇA.O que só poderá resultar em ele seguir nossas ideias pelo medo (ou seja, redução dele a um instrumento da ideologia, fascismo), “se renda”, ou a tentativa dele de tornar sua ideologia “ainda mais forte”, derrotando, violentamente, a do outro (fascismo).

Leitura recomendada:

http://humanaesfera.blogspot.com.br/2015/06/autonomia-conflitos-e-apelo-classe.html

https://libcom.org/library/quando-insurrei-es-morrem-gilles-dauv

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