Prouni — Medicina é coisa de branco?

Questione Tudo
3 min readMay 21, 2022

Computação pela justiça social #estatisticaantifascista

Como mencionei em diversas postagens, decidi concorrer a uma vaga para Medicina no Prouni. Resultando que fui aprovado, por nota, mas reprovado na documentação, na Universidade BLABLABLA. Eu compreendo: realmente não me encaixo no perfil socio-econômico usual do aprovado como baixa renda em Medicina na instituição. A saber: frequentar escola particular, fazer cursinho Fleming por uns três anos, ter piano em casa e uma bateria, como é o caso dos aprovados.

A medida que comecei a investigar mais a fundo, fui notando cada vez coisas mais estranhas, não apenas na UBLABLA, mas casos de denúncias sérias no país todo, como pessoas que ganham carros de luxo dos pais, que obtiveram “cota social”. Ou que viajavam para Disney e Cancún. Nossos futuros médicos.

Tudo isso apontando para um quadro muito distante daquele alardeado (seja pela direita ou pela esquerda), do aluno típico do Prouni, pobre, não-branco, que anda de ônibus e mora em bairros periféricos.

O golpe fatal, entretanto, veio de uma acidental incursão estatística, que meus sofridos anos na computação me permitiram.

Assim, descobrindo num site* do governo a lista de todos aprovados em todas universidades,em 2020, com diferentes dados, como gênero, ano de nascimento, instituição cursada,etnia etc, etc.

Pegando esse arquivo e o filtrando no comando grep, do terminal do Linux, eu consigo obter o número de vezes que um termo é citado. Por exemplo, se coloco grep Medicina nomedoarquivo ele me retorna todas linhas com o termo Medicina. E com grep -c, o número de linhas citado.

O que eu fiz? Filtrei os termos Medicina e as etnias (branca, amarela, parda, preta) e obtive resultados “estranhos”. Mas faltava algo: eu estava incluindo veterinária e biomedicina. Então decidi testar apenas para Medicina. O que obtenho?

Que 56% dos bolsistas para Medicina são brancos, contra 42% da sua porcentagem na população. Que, conforme o IBGE* cai para 23% entre os 10% mais pobres. Para pardos, 38,8%, contra 46,8% na população e no caso de negros, 1,3%(pasmem!) contra 9,4% do total na população.E que são, somados, 75% entre os 10% mais pobres. Um caso claro de subrepresentação de etnia, cujas causas cabem a sociólogos investigar. Em números absolutos, de 690, 353 são brancos, 268 pardos e 9 negros. Dúvidas, é só checar…

Assim, só para efeito comparativo, dentre os 5,7 milhões de empregadas domésticas,trabalho historicamente mal remunerado e de classes subalternas, 3,9 milhões são negras, 63%. Não é “1,3%”. Notam então o que quero dizer com “estranho”?

A conversa fiada, assim, de que “a revolta contra o PT começou quando a filha faxineira entrou pra faculdade e o filho do patrão não” é… pelo menos no caso de Medicina, conversa fiada.E o que estes números mostram é um caso flagrante de racismo institucional, e que, em larga medida, tudo continua como sempre. Citando o autor Giuseppe Tomasi, no livro Il Gatopardo, “é preciso que as coisas mudem para que continuem as mesmas”. Tais resultados seriam imagináveis no caso de bolsas particulares, pagas. Mas, nunca, num programa público, pago com o dinheiro de todos, e que visa justamente corrigir as desigualdades e diferenças sociais.Da abreviação do programa, ProUni,de “Universidade Para Todos” temos Universidade Para Alguns.

E, assim, acredito ter mostrado, com dados,que o rei está nu. E o que faremos a respeito?

https://dadosabertos.mec.gov.br/prouni

https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/25844-desigualdades-sociais-por-cor-ou-raca.html

https://editorarealize.com.br/editora/anais/enanpege/2021/TRABALHO_COMPLETO_EV154_MD1_SA174_ID193316112021121727.pdf

Comando: grep MEDICINA ‘/home/*/Desktop/ProuniRelatorioDadosAbertos2020’ | grep -v VETERINARIA | grep -v BIOMEDICINA | grep -v PARCIAL | grep -c Branca

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